O Bruno pediu outro café, o Oliver também e a gente continuou a discussão. Como eu to ansiosa - e feliz com essa conversa -, vou rascunhar algumas coisinhas mais. Mas já peço desculpas, porque o meu tempo tá curto hoje. Má lá vai:
De saída, parece claro que o que incomoda verdadeiramente é o modo como as questões tem sido abordadas no recente debate político (Aliás, que palhaçada a resposta do Serra no JN, hein?). Uma certa apropriação (inapropriada) das tópicas, cujo objetivo é antes angariar votos, ou melhor: vender uma imagem que seja facilmente comprada por alguns grupos religiosos, do que propriamente colocar em debate as polêmicas. Mais o marketing que a política. Tendo isso em vista, vou focar menos a questão no debate eleitoral, e mais no que eu por ora considero interessante.
Em primeiro lugar, eu não acho que deva existir um "meio termo na relação entre religião e política". Quando disse que o debate político deve abranger também as posições religiosas, falava mais contra um certo princípio de neutralidade, do que a favor de uma relação definitiva entre política e religião. De acordo com esse "princípio de neutralidade", no geral, quando não se pode tratar de certas questões de ordem moral ou de valores privados, não se trata, não se discute, não cabe ao Estado decidir sobre elas. No entanto, eu acho, não é disso mesmo que nem eu nem Bruno nem Oliver estamos falando, afinal, o próprio debate mostra que esse princípio é falacioso na medida em que cabe, sim, ao Estado ter em tela certas questões que, por meio da justiça, são determinantes na vida dos cidadãos. Nesse sentido, o que eu quero dizer é que não se deve, de saída, desconsiderar certas posições religiosas simplesmente porque, hoje, elas dizem respeito à vontade de um certo grupo que também compõe o corpo do público. O problema, é fato, é que certas questões são tratadas por certos religiosos como "dogmas", e, na axiomática religiosa, eu entendo, não há discussão.
Agora, como fazer com que dogmas sejam discutidos? É fato, não se discutem. Mas é fato também não podem predominar o debate, porque limitariam os direitos que uma outra parcela - não participante desses mesmos dogmas. Aqui eu faço um recuo e digo que não posso concordar quando o Bruno afirma - e acho que nem ele concorda - que separar religião de política significa "orientar a política para abranger a opinião de todos ou o máximo possível de cidadãos. Se as regras de um grupo forem aplicadas a todos, haverá uma considerável parcela não atendida.". Descordo porque tendo a maioria (ou o que é o mesmo "o máximo possível de cidadãos") pode facilmente atropelar a minoria, como já fez em vários casos desatrosos - e não preciso citar exemplos. Quero dizer: maioria não pode ser critério - ou talvez não possa ser o único critério de avaliação de certas questões. A tarefa mais importante no nosso caso, eu acho, é convencer um religioso justamente desse ponto: não é porque você abomina algo que não pode conviver (e prefiro conviver a coexistir) com ele: não é porque você abomina o aborto que não pode conviver , e mais, concordar que o Estado ofereça "dignidade" a quem o faz.
Repondo a questão de "como se discute com que não se discute?", e sofrendo bastante com ela, tento abrir uma fresta na janela dizendo que a política tem como elemento necessário, mas não suficiente, ser um espaço de formação da vontade dos cidadãos. E que, por princípio - ao menos eu acho que é um princípio - na medida em que esse espaço é constituído por vozes múltiplas - (thanks God! rs.) é preciso formar os ouvidos e as práticas de modo que possam lidar com a diversidade em questão. Como fazer isso? Honestamente, eu não não sei dar uma solução definitiva, mas acho que é possível elencar alguns passos. Eu vou elencar um agora, porque, desculpem, como eu disse, preciso sair correndo:
Esse primeiro passo seria abrir uma fresta de tolerância. O argumento consistiria em dizer justamente que "não é porque você abomina algo que não pode aceitar que outro faça". Ele tem um limite claro que é "não fazendo debaixo dos meus olhos, problema de quem fizer". É bem aquela papo que meu avô sempre me dizia sobre gays: ah, eu não tenho problema como homossexualidade, só não gosto de bicha afeminada (sic - meu avô falava assim mesmo) nem de dois homens ou duas mulheres saindo por aí de mão dada - que dirá se beijando na mesma calçada que eu. Eu exemplificaria aqui até a posição da Marina Silva, que disse não ser contra a homossexualidade, ainda que não seja a favor da união civil entre gays; quer dizer: façam, mas eu, pessoalmente, não acho que gays tenham os mesmos direitos que não gays. Tolerância é pouco? Muito pouco. Mas já é uma aberturazinha...
Eu volto aqui mais tarde, mas como já demorei um dia pra responder - o que nessa urgência virtual pode ser muito -, deixo aqui a minha contribuição nesse rascunho inacabado.