saiu dia desses no blog da cosac naify a minha primeira empreitada tradutiva. assim que tiver um tempinho, comento as opções que fiz na tradução (que tarefa quase ingrata - digo, optar e comentar). antes disso, registro aqui no (nada) diarinho.
Caro John
Texto de Maurice Sendak publicado em John Burningham (Random House, 2009) e dedicado ao amigo, autor de Fique longe da água, Shirley! e Hora de sair da banheira, Shirley!.
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Acabo de devorar seu novo livro. Estou maravilhado e também extremamente irritado, pois nunca captei você completamente. O seu trabalho, John, é impactante, delicioso, sexy, cômico, misterioso, e, na maioria das vezes, maluco. Você deve saber que somos duas das crianças de muita sorte que se beneficiaram com a explosão gráfica que começou depois da II Guerra Mundial, da qual imagens incríveis foram reconstituídas nas páginas da revista Graphis.
No empolgante início dos anos 1960, Borka e Onde vivem os monstros (Cosac Naify, 2009), publicados em 1963, foram livros ilustrados que, resultado daquele tempo, surgiram de uma maneira selvagem e inovadora. Era o fim dos livros piegas do afetado século XIX, que privaram as crianças de sua natureza animal, de sua imaginação indomável e do seu tesão por viver.
O mundo dos livros infantis na Inglaterra respondeu imediatamente à nova revolução gráfica. Os ingleses tinham uma vantagem incrível, com um histórico de artistas que remonta a George Cruikshank, Arthur Hughes, Tenniel and Dickie Doyle (para citar só alguns). Esse mundo recém chegado de publicações avançou muito. Os Estados Unidos demoraram demais para começar, não tínhamos nenhuma publicação infantil digna de nota. Aqui havia só algumas coisas dispersas – você sabia que Winslow Homer ilustrou Three blind mice [Os Três Ratos Cegos]?
Aposto que, como eu, você não fazia ideia de como era ou deveria ser um autêntico livro para criança. No sossego dos anos 1950, eu fiz o melhor que pude para seguir as formas estabelecidas para um livro infantil típico. Eu copiava ou roubava freneticamente dos poucos ilustradores originais que cruzavam meu caminho. Na minha santa ignorância, eu me hachurava todo tentando parecer com Edward Ardizzone e George Cruikshank, e tentava aprender o que era um livro ilustrado de verdade com Randolph Caldecott e William Nicholson.
Tive de enfrentar muitos manuais, muitas convenções, mas por fim criei minha própria concepção do que é um livro para criança – exatamente como você deve ter feito.
Os anos 1950 foram tristes e fantásticos – um tempo de perfeito aprendizado. Não se ganhava muito dinheiro, e então nós bagunçamos tudo e ajudamos a criar um novo mundo de livros para criança – que fosse mais próximo do seu universo de faz-de-conta. Criamos um mundo rico em ilustrações e resultados espetaculares obtidos com os processos avançados de cor e impressão. Os anos 1960 foram o início da minha nova vida criativa e, suponho, também da sua. As amarras repressoras do mundo dos livros infantis do século XIX foram libertas, e nós estávamos a todo vapor.
Eu sou apenas um fã, John, um fã dedicado e sempre entusiasmado – só não suporto os oito anos que tenho a mais que você. Quanta diversão tivemos, e, com sorte, teremos muito mais pela frente. Que estranho se descobrir jovem apenas na velhice.
Maurice Sendak
Connecticut, outono de 2008
[Tradução de Ana Cláudia Silveira]
Connecticut, outono de 2008
[Tradução de Ana Cláudia Silveira]